Quinze Anos

Conselheiro Lafaiete, janeiro de 2005

Querida filha,

De todos os nossos maiores medos, talvez, seja o de fracasso, o maior deles. Então, na tentativa do acerto, vamos galgando, dia a dia, nossas possibilidades em busca do que julgamos felicidade. Tarefa mais árdua que escolher este caminho, sem tropeços, não há.

Mas a vida é assim mesmo: um complexo de situações, muitas vezes descabidas, para testar-nos a capacidade, a perseverança, a dignidade.

Tenho medo de falhar e ser julgada, sem direito à defesa. Na realidade, nossos medos não são, senão, por nós mesmos – por concluirmos, nas nossas falhas, a nossa incapacidade.

Recebi um texto de Gibran Khalil que me impulsionou a estar, aqui, frente à folha, a lhe escrever.

Do livro “O Profeta” “Uma mulher que carregava o filho nos braços disse: fala-nos dos filhos”.

E ele falou:

Vossos filhos não são vossos filhos.

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.

Veem por vós, mas não são de vós.

E, embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

Pois suas almas moram na mansão do amanhã,

Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,

Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estiva com toda a sua força

Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:

Pois assim como ele ama a flecha que voa,

Ama também o arco que permanece “estável “.

Esta sabedoria vem de tempos idos e é tão atual que me curvo diante minha falha maior que é a de tentar impor-lhe uma conduta.

Quinze anos se passaram. A menininha frágil e insegura já dá sinais de mulher. Estive a seu lado neste tempo, impondo-lhe conceitos para que, exatamente nesta hora, pudesse lhe arremessar como o sábio arqueiro.

E é chegada a hora de voar com suas próprias asas.

Tenho, para mim, que havemos, sempre, de nos espelhar naqueles de caráter, de atitudes positivas, de índole inabalável. Todos buscamos uma única meta: felicidade.

Tentei, neste tempo, onde estive a lhe puxar pelas mãos, ser alguém de quem você pudesse ter orgulho de ter ao lado. Alguém que servisse de “molde” aos seus padrões.

Bem sei que na minha experiência pessoal de vida falhei em muitas situações e é por isto mesmo que tento lhe impor algumas regras: na intenção única, de lhe evitar as ciladas da vida.

Mas, vejo erro nesta conduta.

Cada qual tem, chegada a hora de sua emancipação (cada um tem seu tempo) que passar pelos testes da vida. Nossas escolhas, por certo, serão influenciadas pelo que tivemos na nossa estrutura educacional, mas são nossas, só nossas. E, como diz o poeta “te tornas eternamente responsável…” pelos seus erros e acertos.

Há que se estruturar por si só. E, pode estar certa, não haverá ninguém que torcerá mais pelos seus acertos que eu.

Quero “arremessar-lhe” à vida, sem culpas. Tenho (e quero) confiar na sua capacidade de discernimento e na minha, de ter sido uma boa instrutora, até então. Não devemos procurar aquilo que devemos ser e, sim, acertamos naquilo que, realmente, somos, porque todos somos bons, na essência.

Nossas escolhas são responsáveis em arrancar, de nós, o que temos de melhor. Então, quero descansar sem remorsos, deixar de ser a mãe rabugenta, intolerante e crítica. Quero ser solidária, pois esta é a minha natureza. 

Desde a minha escolha em tê-la junto a mim, foram estes os meus planos: sermos cúmplices, amigas.

À primeira vista parece que lhe ofereço uma carta de alforria. Acho meio grosseiro o termo, afinal, não a mantive como cativa à revelia de meus caprichos e ordens. Penso ter sido uma orientadora para lhe indicar o “norte” e espero tê-la sido, afinal, um “pássaro”, não prende o outro.

Contudo, acho que será esta a sua sensação: a de liberdade.

Se vale ainda uma observação, nossos maiores “voos”, na maioria das vezes, o fazemos sem, nem mesmo, sair do lugar. Desta liberdade somos donos e senhores e, mesmo traz as grades, ninguém pode nos arrancar.

Que seja pleno o seu “voo” e que o rumo seja acertado.

Desejo-lhe o melhor aniversário de todos, até então.

Carinho imorredouro,

Sua mãe de 46 anos


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