Realização é individual

Conselheiro Lafaiete, 22 de dezembro de 2022

Querida mãe,

Hoje venho aqui não como mãe, mas como filha. Sei que às vezes é difícil separar esses papéis, mas é assim, mesmo. A minha relação com a minha mãe, assim como outras relações, tinha um que de obrigação muito forte, sabe? Uma necessidade que, de uma certa forma, eu impunha e se materializada em ações como: ligar para ela todo dia, de estar sempre presente, criticar no sentido de controlar alguns comportamentos e falas, mas com uma demanda obrigatória forte. O que às vezes, na verdade, muitas vezes, me sufocava e me deixava exausta. 

O que acarretava um peso exagerado, porque eu carregava comigo a crença de que era minha responsabilidade pessoal fazer dar certo. E dessa forma, aos poucos, foi ficando difícil e pesado. E no meu processo de autoconhecimento, devagarzinho e por diferentes abordagens, fui tomando consciência deste aspecto da nossa relação e buscando experimentar novas maneiras de vivenciá-la. 

Não é fácil olhar para a relação mãe-filha. Tem muitos sentimentos envolvidos. Fortes, intensos, ambíguos, confusos… A vantagem é que tive a oportunidade de fazer isso por doses homeopáticas, que passou por ferramentas do coaching, de educação parental, de programação neurolinguística, de constelação e também através de um grupo de mulheres chamado mulheres em foco onde estudamos diferentes livros. Tudo isso foi me ajudando a olhar para essa relação de frente. Não foi fácil, mas foi, como posso dizer, libertador. Passei a escolher os momentos que eu queria estar presente e respeitar os momentos que eu precisava me ausentar e confiar que ela conseguiria resolver muitas das suas coisas. Passei a aprender a falar coisas importantes, que me incomodavam, com respeito e gentileza. 

E neste processo, por incrível que pareça, fomos nos aproximando, verdadeiramente. Ela com alguma frequência e geralmente com lágrimas nos olhos, me dizia estar reencontrando a filha. Eu adorava ouvir isso, pois de uma certa forma, eu estava reconhecendo uma mãe diferente daquela que formatei. Mas às vezes surgia outra fala que era: estou me realizando nos seus projetos, o que ainda me trazia novamente o peso. 

Sinceramente, com o pensamento que tenho hoje, acredito que cada pessoa precisa encontrar o seu caminho de realização. E quando a realização pessoal de uma mãe, passa pela realização de uma filha, ou de outra pessoa, acredito que haja um desequilíbrio, pelo simples fato de colocar na responsabilidade no outro, de algo que é de si. E de entender, que não há controle sobre as escolhas do outro. O que a deixava, de certo modo, com um comportamento estático, por não ter o que fazer, e que me deixava, por outro lado, com dificuldades em fazer minhas próprias escolhas. Então eu pensei, eu posso e neste caso, eu quero ajudar a minha mãe a se sentir realizada. Farei isso por ela, mas também por mim.

E neste caminho, buscamos e encontramos seus escritos. Ela adora escrever e desde muito tempo, guardava-os. E com a ajuda da família, amigos e profissionais o fizemos. Recolhemos o que ela escreveu no decorrer dos anos e transformamos em um livro. Eu escrevi versos na tentativa de fazer a liga entre tantos poemas, causos, cartas e homenagens e o livro se materializou. E no último fim de semana, dia 17/12/2022, aos 75 anos, houve o lançamento do seu primeiro livro. 

E ela estava radiante. Brilhava como há muito tempo eu não via. Ou talvez, há muito tempo, eu não me permitia vê-la. Sei lá, só sei que foi lindo, emocionante, sensacional. E a beleza que vi na minha mãe autografando livros, se transformou em orgulho, felicidade, amor e gratidão. E aí, eu entendi ser isso. Essa é a relação que quero ter com ela, de amor, de espaço, de acolhimento, de orgulho, de ajuda mútua. 

Ângelo Oswaldo, membro da Academia Mineira de Letras e Prefeito de Ouro Preto, assim escreveu no endosso do livro: “É raro esse encontro de mãe e filha no diálogo de um diário em une a poesia diuturnamente embala o bem viver. Ler “Manuscritos de uma Vida” é acompanhar uma jornada de mulheres fortes e vitoriosas, na qual Vanda, une Irene e Nívea para nos fazer abraçar o tempo por inteiro revelado nessas páginas.”

Irene é minha vó, que hoje tem 99 anos… E assim eu sigo aprendendo a respeitar, identificar, reconhecer e transformar as relações entre mães e filhas da minha linhagem na intenção de promover a sua continuação.

Com o coração sereno e agradecido, me despeço.

Nívea, 45 anos, filha de mãe, escritora e contadora de história de 75 anos.  

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