A pandemia e o medo de socializar

Conselheiro Lafaiete, 27 de maio de 2022

Querida mamãe,

Eu fico aqui, imaginando, os efeitos da pandemia aqui em casa, dentro da nosso lar. A pandemia, na minha percepção, trouxe acima de tudo o medo, né? O medo da morte, mas também o medo das relações sociais. Tão contrassenso a gente ter medo de relacionar com as pessoas, né? Tão louco mesmo, a gente ter medo de relacionar com nosso semelhante, assim como eu, como você. Mas sim, acredito de verdade, que hoje, estou aqui para contar esse história, porque tive esse medo e foi o que me ajudou a respeitar as orientações do período pandêmico. Talvez, se não tivéssemos, eu e minha família, agido assim, não estaria aqui escrevendo essa carta.

Mas o fato também é que com o retorno gradativo das atividades, fui reconhecendo nos nossos comportamentos, principalmente nos das minhas filhas, os reflexos deste medo. Não sei medir precisamente o percentual de cada variável, pois existem várias, como: fase da pré-adolescência e adolescência, perfil comportamental, temperamento de cada uma, efeitos do medo da pandemia, as relações virtuais, inclusive algumas questões sociais e culturais que superestimam a importância de você se relacionar com muitas pessoas.

No retorno gradativo das aulas, das experiências sociais como festas, encontros, uma delas me relatava com frequência, a dificuldade em fazer amizades. Me dizia abertamente que o retorno estava difícil, pois ela se sentia envergonhada em iniciar uma conversa, puxar papo, ao mesmo tempo que sentia vontade em fazê-lo.

Na oportunidade que tivemos de viajar, percebi com um pouco mais de clareza o receio dessa aproximação com outras pessoas, pessoas desconhecidas. Elas ficaram arredias, distantes e quando eu me aproximava e conversava com alguma delas, elas acabavam me criticando, pedindo para eu parar. Por outro lado, me diziam que se sentiam entediadas e que queriam fazer algo.

E quando eu iniciava uma conversa com alguma criança da idade delas, e as apresentava, elas começavam timidamente a conversar, aos poucos o gelo ia se quebrando e depois de um tempo, elas ficavam juntas, conversando, brincando, se divertindo. Uma delas, chegou inclusive a me dizer que se arrependeu de não ter tido a coragem de se aproximar e iniciar a conversa antes, pois foi divertido conhecer pessoas novas e elas acabaram ficando pouco tempo juntas, pois estávamos vindo embora.

Acredito mesmo, que o isolamento social teve sim, uma influência marcante nas nossas relações, como indivíduos e como família. E não só nelas, claro, em mim também. Eu hoje, quando encontro alguém e tenho vontade de me aproximar e dar um abraço, fico assim meio sem jeito e muitas vezes não sei como agir. As vezes as pessoas percebem o meu desconforto e me ajudam, as vezes não. Estou aprendendo a perguntar se posso aproximar, e observo, na busca de compreender algum sinal que demonstra se a pessoa está confortável, ou não, com a minha aproximação.

E fico pensando, se está difícil para mim, imagino para elas que estão começando a explorar a vida social para além da nossa casa, do nosso ambiente, neste lindo desabrochar da adolescência.

Assim, sigo buscando estratégias e espaços para dialogar com elas sobre tudo isso.

Com muito amor, me despeço.

Nívea, mãe de duas filhotas, de 14 e 11 anos.


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