Ainda que eu não tenha um

Ouro Preto, 07 de abril de 2024.

Estes dias andei me vendo diante de uma questão que eu não pensava muito. Acompanhei o crescimento de um mioma dentro do meu útero. E, depois de 7 anos, o mioma cresceu muito e eu precisei tirar o útero. Minha primeira reação quando decidi fazer a cirurgia não teve a ver com a questão da maternidade. Teve a ver com as cobranças que uma mulher sempre recebe ao longo da vida. Estou gorda, obesa, e minha primeira reação foi ver no Google o quanto pesava um útero. Para ver se, ao retirá-lo, eu não iria naturalmente emagrecer. 

Foi uma decepção saber que o útero pesa tão pouco. Ao mesmo tempo, aí sim, lembrei que se tratava de um órgão tão importante para a manutenção da vida humana na Terra. E que, tão leve e pequeno, é o responsável por mudar completamente a vida de quem gera uma vida nele. E de que, em geral, pouco se fala do útero, coitado. É por meio dele, que, de repente, uma mulher ganha outra identidade, em geral, já adulta, quando este seu pequeno e leve órgão gera uma vida. E ali, como se diz, uma pessoa é colocada no mundo, mas nascem duas ao mesmo tempo: uma gerada e a outra a que gera. 

Estou hoje, enquanto escrevo esta carta-depoimento, com 47 anos e meio. E tirei, sim, meu útero. O vi nas mãos da médica que me operou e quis levá-lo para casa comigo. Afinal, ele é meu! Tão vermelho de sangue, tão inchado com o mioma, tão bonito! Como eu estava anestesiada quando o vi nas mãos da médica, só lembro de tê-lo achado parecido com um coração: “tão vermelho, tão bonito!” E lembro de ter perguntado o que seria feito com ele. Fiquei triste com o destino dele: ele foi retirado de mim e enviado para análise. Daqui a poucos dias saberei se ele se foi, mas se foi em paz e me deixa em paz também. 

Bom, deixei para o final do depoimento para dizer que não sou mãe. Que meu útero nunca foi usado para o que veio ao mundo. Que, apesar de nunca ter usado meu útero, foi por causa de ter um que sofri e ainda sofro por ser mulher em uma sociedade que constantemente nos diminui e nos oprime. Outro dia, em uma palestra, saí com esta frase: “É incoerente que o ventre que traz vida ao mundo seja o motivo para invisibilizar para o mundo aquelas que o carregam”. 

E assim é a mulher. Posso não ser mãe, mas sou filha. E sofro outras pressões, uma delas por não ser mãe. No trabalho, me veem como um homem, porque não tenho filhos e assim posso me dedicar ao mesmo, segundo fala deles. E cobram de mim que assim seja. Na família, me veem como uma cuidadora que, por não ter filhos, posso me dedicar integralmente aos cuidados dos doentes e idosos da mesma. 

Minha luta é para que eu seja o que eu quiser ser: com útero ou sem útero. Com filhos ou sem filhos.

E realmente, agora sem anestesia, eu entendo porque eu quis guardar meu útero comigo. Não porque ele representa outra vida para mim. Mas porque ele representa para mim a minha vida.

Tenho 46 anos


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