Em teoria, eu venho cuidar dela, mas é sempre ela quem cuida de mim.

Ouro Preto, 12 de fevereiro de 2023.

Queridas mães, hoje escrevo para minha mãe, sobre minha mãe. E escrevo para mim também.

Minha mãe encontra-se acamada há mais de 4 anos, após um 2.º acidente vascular cerebral (AVC) que sofreu de forma muito fulminante.

No dia 22 de novembro de 2018, quando recebi de uma das minhas irmãs a notícia de que minha mãe havia sofrido o danado do AVC dentro da UTI do hospital, após uma cirurgia de sucesso realizada com sucesso para tratar uma infecção na cabeça, eu me senti imediatamente na MATRIX. Sim, me senti em um mundo paralelo e corri para estar com ela, pois ela estava em coma, mas ainda viva. 

Fui dirigindo para BH, mas não consigo me lembrar como cheguei lá, eu estava com meu pai e acho que entrei em automático para não pensar que eu poderia chegar no hospital e ela estar morta. 

Chegando lá, a MATRIX tornou-se então minha realidade, e eu entrei em um mundo paralelo do qual tento aos poucos sair. Ver minha mãe sem poder falar, sem parecer sentir, me fez entender tardiamente que minha história ia embora com ela. Era como se naquele momento eu deixasse de existir. Tudo que eu ainda podia saber de mim e tudo que já se passou de mim foi embora com ela, embora ela não tenha ido embora, nem eu ainda. Eu olhava para os vidros dos prédios lá fora e todos pareciam cacos infinitos perdidos sem poderem ser reconstruídos. 

E é sobre este entender/buscar me reencontrar que vou falar um pouco hoje. Agora, a mulher que tudo sabe da história da nossa vida, precisa de cuidados 24 horas, não se comunica mais com eloquência, mas eu vivi até ali sendo cuidada, entendida, acolhida, comunicada, aconselhada e formatada por ela.

E nesta história de eu ter que estar lá perto para cuidar da pessoa que eu sempre busquei para me cuidar, fui descobrindo nossas relações sobre as quais eu nunca pensava muito.

Descobri que meu amor pela profissão de professora, veio dela. Que minha crença de que o mundo pode ser melhor por meio da educação veio dela. Que herdei desta mulher maravilhosa uma pele invejável e um nariz arrebitado que me faz um pouco bonitinha (sempre me achei muito feia e a achei muito bonita). Descobri que meu rosto, minhas expressões, minha fala em velocidade 2, eu herdei dela (com uma pequena contribuição do meu pai aí). Descobri que minha fala sem filtro, também conhecida como autenticidade (ou falta de noção), veio dela. Que minha coragem, meu ímpeto de realizar, vem muito dela. Que minha capacidade de contornar obstáculos, também vem dela. 

Em uma das últimas conversas que tive com ela, antes deste 2.º AVC, mamãe me pediu para arrumar alguma coisa no celular e eu arrumei para ela. Algo muito bobo para mim, nem me lembro o que foi. Mas me lembro que brinquei com ela que, para conseguir fazer esta “manutenção”, eu precisei estudar, foi muito e por muitos anos: fiz curso técnico, engenharia, mestrado e doutorado. E ela me chamou de zombeteira e riu. 

Hoje eu posso dizer que o que eu precisava não era estudar tudo isto, pois eu já tinha/tenho o que precisava/preciso para qualquer manutenção ou atividade que faço na vida: eu tenho o sangue, a força, o DNA da minha mãe!

Há, claro, uma parte de mim que me faz única como a cada um de nós no mundo. E é neste ser único que sou, que busco completar e levar adiante toda a energia que minha mãe colocou em sua vida, em ser luz, em ser guia, em ajudar e ser empática com as outras pessoas. 

E assim sigo, mamãe, sendo cuidada por você até o final da minha vida!

Sílvia Grasiella Moreira Almeida, 46 anos, filha número 3, Amparo Terceira.


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